Ana Filipa Morais Antunes: "Pandemia, (des)equilíbrio contratual e prudência do julgador"
É fundamental que os tribunais avaliem, com ponderação, os meios de tutela jurídica concretamente mais adequados na situação individual. E que privilegiem a virtude cardeal da prudência.
O Tribunal da Relação de Lisboa, por Acórdão de 8 de Abril de 2021, decidiu que a pandemia por Covid-19 constitui um motivo para a resolução, válida e legítima, de um contrato de arrendamento comercial, com fundamento na alteração anormal e superveniente das circunstâncias.
Esta decisão assume um relevo particular, por três razões essenciais: primeiro, considera vários preceitos legais (quer comuns, quer extraordinários, porque aprovados em "contexto pandémico"); segundo, ensaia uma construção adaptada ao momento actual, com base, designadamente, na dicotomia "situações normais e regulares" e "situações excepcionais", e na ideia central de "equilíbrio contratual"; terceiro, autoriza a resolução extrajudicial do contrato por alteração das circunstâncias.
A pandemia por Covid-19 constitui um evento que interferiu no cumprimento da generalidade dos contratos, em particular, os duradouros e de execução diferida no tempo. Em Março de 2020, impôs-se aos contraentes como um facto exterior, imprevisível, inimputável e inevitável. O juízo quanto à exigibilidade das prestações a que cada contraente se vinculou tem hoje de ser feito em termos distintos do que sucederia num cenário "Covid-free".
A rigidez do postulado da estabilidade dos contratos deve ser matizada em situações como as que se têm vivido desde Março de 2020. A conduta de cada um dos contraentes passa a ser sindicada à luz de padrões de probidade, lisura e lealdade qualificados. Em especial, os contraentes "profissionais" (como sucede nos contratos "B2B") devem actuar com transparência e com verdade, e colaborar reciprocamente, com respeito integral pelas exigências de fair dealing.
Por outro lado, a pandemia tem determinado consequências distintas nos vários momentos temporais e em função dos diferentes vínculos estabelecidos: nesta matéria, "one size does not fit all". Na verdade, uma das lições do "novo normal" é a necessidade de se privilegiar um exame casuístico, que releve as circunstâncias concretamente relevantes, como, v.g., o tipo de contrato, a sua duração, a função correspondente, a natureza das relações entre os contraentes, e a particular ingerência em cada prestação contratualizada.
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