Susana Costa e Silva: “O mestrado em Gestão da Católica Porto Business School está entre os 100 melhores do mundo.”
Susana Costa e Silva é alumna da Católica e, para além de co-diretora do novo Doutoramento em Gestão, é também diretora do Mestrado em Gestão na Católica Porto Business School, que integra, atualmente, o ranking do Financial Times. Natural do Porto, conta uma infância feliz e partilha que sempre teve uma grande vontade de aprender. É doutorada em Marketing pela University College Dublin e tem-se dedicado profundamente à investigação desta área: “Marketing é compreender o mercado, perceber o que ele valoriza e conseguir levar até lá um produto ou serviço que faça sentido.” Nesta entrevista, fala-nos sobre a escolha pela carreira académica, a sua investigação, e partilha ainda uma visão sobre o ensino de gestão e a importância da internacionalização.
É diretora do mestrado em Gestão, que entrou, este ano, para o ranking do Financial Times. Qual é a importância desta distinção?
É um reconhecimento internacional que nos coloca entre os 100 melhores programas de gestão do mundo. Trabalhámos muito para alcançar este resultado, com a produção de investigação de qualidade e, sobretudo, com impacto. A transferência de conhecimento é fundamental e foi um dos pilares que nos levou a ser reconhecidos pelo Financial Times. Mas a internacionalização é onde temos traçado mais caminho. O nosso corpo docente é praticamente todo doutorado e com provas dadas em termos de ensino, quer em Portugal quer fora. É uma equipa com uma pegada e uma experiência internacional muito significativa. Temos colegas que lecionam regularmente fora do país e docentes recrutados em concursos internacionais. No meu caso em concreto, integro o corpo docente da Universidade de São José, em Macau, há já vários anos e tenho experiência de ensino no Brasil, na Europa e, mais recentemente, no Dubai, no Institute of Management Technology. Resultado desta internacionalização de docentes e da oferta de 3 das especializações do programa totalmente em inglês, é a procura do programa por cada vez mais alunos estrangeiros.
Muitos dos alunos que chegam até nós não vêm em mobilidade Erasmus, mas sim para realizar o mestrado completo. Procuram programas com reconhecimento internacional e o ranking do Financial Times ajuda a aumentar essa visibilidade. Neste momento, já temos uma percentagem expressiva de estudantes internacionais. A classificação no Financial Times vem premiar o trabalho que temos desenvolvido e, ao mesmo tempo, abre portas a novos públicos, que antes não consideravam o nosso mestrado precisamente por não constar desse ranking. Já éramos uma escola com a Triple Crown, que é por si só um selo de qualidade, e este reconhecimento vem consolidar ainda mais o nosso posicionamento internacional.
Temos também resultados muito positivos que refletem o sucesso dos nossos alunos: bons níveis salariais e um indicador acima da média em value for money. O investimento que os estudantes fazem no mestrado é rapidamente compensado após a conclusão do curso, o que demonstra um retorno muito positivo. Outro aspeto que nos orgulha é o equilíbrio de género. Temos uma presença muito significativa de mulheres no corpo docente e também entre os estudantes, algo que já se verificava nas licenciaturas. É um indicador de diversidade e equilíbrio que valorizamos bastante.
Quais são as suas principais memórias de infância?
Nasci no Porto, mas vivi sempre em Gaia. Ultimamente, até tenho pesquisado um pouco sobre o fundador da escola que frequentei, Diogo Cassels, e sobre a marca que deixou na zona onde cresci. Fui sempre uma boa aluna e tinha um enorme gosto por aprender. Vibrava com os dias de escola e gostava muito de lá estar. As minhas memórias dessa época são muito positivas. Os momentos vividos na escola não eram apenas de brincadeira, eram também oportunidades de descoberta. Era uma miúda muito curiosa. Descobri há pouco tempo que ainda guardo o cartão da Biblioteca de Gaia, feito em 1984, quando tinha 11 anos. Passava lá muito tempo a ler tudo o que encontrava, tanto na biblioteca como na escola.
De onde vem essa tão grande vontade de aprender?
A minha família próxima não é muito grande e talvez eu tenha sido das primeiras pessoas doutoradas. Os meus pais aperceberam-se cedo de que eu tinha vontade de ir mais além. Perceberam que valia a pena investir em livros. Por isso, diria que essa vontade de aprender foi, sobretudo, estimulada.
É licenciada em Gestão pela Universidade Católica. Quando é que começou a idealizar o seu futuro profissional?
Foi na universidade que comecei a pensar mais seriamente no meu futuro. Fiz o curso na Católica, entre 1991 e 1996, com o apoio de uma bolsa de estudo, e numa altura considerada os “Golden Years” da Gestão. As empresas iam às universidades à procura dos melhores alunos finalistas, e tive o privilégio de fazer parte desse grupo que recebeu várias propostas de trabalho. Comecei a trabalhar com a sensação de ter conseguido o emprego ideal. No entanto, pouco tempo depois percebi que me sentiria mais realizada na Academia. Um grande impulsionador dessa decisão foi o Professor Alberto Castro, diretor da faculdade, que já me conhecia e sabia do meu percurso. Quando percebi que o mundo académico me atraía mais, decidi aceitar o desafio. Entrei em 1997, lecionando Economia Internacional, uma das áreas que mais me interessava, relacionada com a internacionalização das empresas.
O que a motivou foi o querer continuar a estudar, a investigar e a ensinar …
Sim, exatamente. Eu queria continuar a estudar e percebi logo que, se optasse por essa via, teria de fazer um mestrado e, depois, um doutoramento. Comecei por fazer um mestrado em Economia até porque trabalhava mais nesta área. A Economia e a Gestão são como duas ferramentas essenciais para entender o mundo dos negócios. A Economia dá-nos o mapa geral: os modelos teóricos, as forças de mercado e os princípios que explicam o porquê por detrás dos fenómenos. A Gestão, por sua vez, dá-nos o kit de navegação para percorrer o terreno: as técnicas e decisões práticas do como operar uma empresa. Uma sem a outra fica incompleta… Foi um desafio que impus a mim própria: compreender melhor o funcionamento da economia dado que me tinha licenciado em Gestão. Na altura conclui que a gestão é mais prática, mais próxima da realidade das empresas, e por isso também, muito aliciante. Depois do mestrado, segui para um doutoramento em Marketing e Negócio Internacional. Foi aí que voltei ao lado mais prático e aplicado das empresas que atuavam internacionalmente, quer através de exportações, quer através de contratos ou investimento estrangeiro. Fiz o doutoramento na Irlanda, uma experiência fantástica.
Que memórias guarda dos seus tempos de aluna na Católica?
Guardo muito boas memórias. Por exemplo, estive recentemente em Joanesburgo com colegas do curso, e estamos a preparar a comemoração dos 30 anos desde que nos formámos, em maio de 2026. Fiz muitos amigos e é curioso porque com alguns colegas criei mais amizade depois de terminar o curso do que durante. Eramos muitos e ainda mantenho ligação com praticamente todos. Alguns já cá tiveram os filhos a estudar. Tenho também excelentes recordações dos professores, muitos dos quais são agora meus colegas, como o Professor Vasco Rodrigues, o Professor Alberto Castro, o Professor Luís Pacheco ou o Professor Rui Sousa e muitos outros. Hoje tratamo-nos por “tu”, mas na altura foram professores que me marcaram muito pela sua qualidade e exigência. Recordo ainda com carinho os momentos passados na Universidade e também fora dela, em convívio e confraternização com os colegas. Foram anos muito felizes.
O que é que acha que distingue o ensino da Católica Porto Business School?
Sem dúvida, a proximidade. A proximidade com os professores sempre foi uma marca distintiva. Na altura, havia uma verdadeira política de porta aberta, que ainda hoje mantemos com os nossos alunos. Esse espírito vem dos tempos em que a escola era mais pequena. Éramos muitos por turma, mas havia menos cursos (não existia ainda a licenciatura em Economia, nem os mestrados) e, por isso, todos nos conhecíamos bem, tanto entre alunos como com os docentes.
Lembro-me de praticamente todos os professores que tive, alguns já reformados. Recordo, por exemplo, o engenheiro Pinto Santos, uma figura marcante na nossa formação. Lembro-me de entrar no gabinete dele para conversar sobre o meu futuro profissional, estava dividida entre seguir a docência ou aceitar uma proposta de trabalho, e ele ouviu-me com toda a atenção. Nunca mais esqueci as suas palavras. Mais tarde, quando fiz as minhas provas de agregação, tive oportunidade de agradecer a todos os professores que me acompanharam e que sempre se disponibilizaram a ouvir-me. Guardo, portanto, excelentes memórias desse tempo e um grande reconhecimento por todos eles.
A sua área de especialização é o Marketing. O que é que torna essa área fascinante?
Curiosamente, o Marketing não era a minha área de eleição quando terminei a licenciatura. Nessa altura, o meu interesse estava na internacionalização, que foi, aliás, o tema da minha tese de mestrado e do meu primeiro livro. Só quando tive de decidir o tema do doutoramento é que comecei a considerar o Marketing.
Em Portugal ainda há uma perceção errada do marketing. Muitas vezes ouvimos dizer “isso é só marketing”, como se fosse algo enganador. Isso deixa-me triste, porque o verdadeiro sentido da palavra é justamente “levar ao mercado”. Muitos alunos chegam ao curso de marketing com a ideia de que é uma área puramente comunicacional e saem com uma visão muito diferente. Percebem que o marketing é também raciocínio estratégico, planeamento e criação de valor e passa por auscultar o mercado mesmo antes de se criarem os produtos. Há uma frase de Henry Ford que gosto muito e que ilustra bem esta ideia. Ele dizia: “Se eu tivesse produzido aquilo que o meu cliente queria, teria feito cavalos que corressem mais depressa.” Isto significa que não basta ouvir o consumidor nem basta ouvir os engenheiros; é preciso um diálogo constante entre os dois lados. O verdadeiro marketing acontece nesse equilíbrio: perceber quão capazes somos de desenvolver propostas de valor, mas também reconhecer o que é que o mercado precisa mesmo que ainda disso não tenha consciência.
Marketing é compreender o mercado, perceber o que se valoriza e conseguir levar até lá um produto ou serviço que faça sentido - para consumidores e para a empresa. E foi neste seguimento que percebi que o Marketing é essencial, não apenas para o consumo individual, mas também para as indústrias e para o contexto empresarial mais alargado. Juntar essa dimensão internacional ao Marketing acabou por ser um caminho de investigação natural para mim.
Em que temas tem centrado a sua investigação?
No início, investigava sobretudo as relações que as empresas estabelecem entre si para se internacionalizarem, como alianças internacionais, joint ventures, consórcios, motivos para o investimento direto estrangeiro ou para as exportações. Tudo isso faz parte do processo de “ir ao mercado”, mas a um nível mais macro. Ainda hoje mantenho esta linha de trabalho. Mas mais recentemente, tenho investigado o comportamento do consumidor. Interessa-me perceber de que forma a investigação pode ajudar as empresas a compreender melhor as intenções dos consumidores, como por exemplo, quando utilizam o self-checkout no supermercado ou devices de inteligência artificial, ou como interagem com as empresas através de uma página web, de chatbots ou assistentes de voz. Se um banco cria um assistente virtual, por exemplo, é importante perceber como é que o consumidor reage a essa experiência e como isso influencia a sua satisfação e confiança na marca e no prestador. Procuro compreender o que leva um consumidor a preferir um produto em detrimento de outro num site de e-commerce, e qual o impacto de certos estímulos, como pop-ups, jogos, descontos, ou outras mensagens de apelo ao consumo, na intenção de compra. Estes mecanismos podem aumentar o envolvimento, mas também gerar irritação ou sensação de intrusão. Atualmente, estudo também no âmbito da Psicologia do Consumidor, recorrendo não só a questionários, mas a métodos das neurociências. Por exemplo, utilizamos eletroencefalogramas para medir as reações cerebrais e perceber o que provoca mais stress ou alegria no consumidor, sem precisar de o perguntar diretamente. Resumindo, podemos dizer que a minha investigação cruza, por isso, duas grandes áreas: o Marketing e os Negócios Internacionais.
Tem, também, trabalho desenvolvido na área do marketing social. Em que consiste?
Desde 2010 que faço investigação na área do Marketing Social e tudo começou depois de uma estada marcante na Guiné-Bissau em 2010, que repeti em 2011, e onde percebi que o Marketing pode ser usado para promover comportamentos benéficos para a sociedade. O Marketing Social serve, por exemplo, para incentivar ações positivas, como fazer exercício, doar sangue, ou beber mais água, ou para reduzir comportamentos negativos, como a violência doméstica ou a mutilação genital feminina, que é um problema grave na Guiné-Bissau. Em qualquer um dos casos, o Marketing ajuda a orientar comportamentos em benefício do bem comum. Muitas vezes as pessoas associam o marketing a algo negativo, mas ele pode ter um papel profundamente positivo. O marketing social mostra precisamente isso: que é possível aplicar as mesmas ferramentas usadas para vender produtos a causas sociais e comportamentais que melhoram a vida em sociedade. É por isso que o Marketing social é muitas vezes descrito como o Marketing da mudança de comportamentos.
É uma área pouco desenvolvida e estudada em Portugal?
Acho que não é tão pouco desenvolvida como muitas pessoas pensam. O que existe, isso sim, é uma grande falta de consciência sobre a importância que o Marketing tem nas alterações de comportamento. Há muito trabalho social feito em Portugal. Eu estou neste momento, por exemplo, no Board da Cruz Vermelha de Gaia. Há imensas pessoas e instituições a intervir neste campo, mas poucas reconhecem o papel decisivo que o Marketing pode ter na concretização dessas iniciativas. No âmbito das formações na Área Transversal de Economia Social em que colaboro há cerca de 15 anos, tenho tido a oportunidade de ajudar a formar pessoas que nos procuram para aumentarem os seus conhecimentos neste domínio, o que é uma mudança que registo com satisfação.
No âmbito destas formações, tenho tido a oportunidade de conhecer muitas organizações com missões muito específicas: ajudar imigrantes a adaptarem-se à condução em Portugal, estimular as visitas a lares de 3ª idade, promover o uso da bicicleta, incentivar a reciclagem ou até ensinar português. São respostas sociais muito diversas, mas quase nenhuma tem especialistas de Marketing envolvidos. E isso faz falta, porque o Marketing é precisamente a área que permite estruturar um plano de ação - análise, planeamento, implementação e controlo - que transforma boas intenções em resultados concretos. Lembro-me de um caso estudado numa conferência no Porto, sobre jovens no País de Gales que ateavam incêndios por tradição. Criou-se uma task force para perceber o que estava na origem desse comportamento. Quando se aplicou uma metodologia de Marketing - compreender causas, definir estratégias, medir resultados -, percebeu-se que o problema estava ligado à falta de alternativas de lazer. Criaram-se essas alternativas e o número de incêndios diminuiu. Este exemplo mostra bem como o Marketing pode ajudar a resolver problemas sociais de forma estruturada, desde que se faça uma correta análise, o que invariavelmente carece de envolvimento local. Esta capacidade de nos colocarmos no lugar do outro é tão útil no marketing social, como o é na nossa forma de estar em sociedade.
Pessoas em Destaque é uma rubrica de entrevistas da Universidade Católica Portuguesa, Centro Regional do Porto.
