Paulo Cardoso do Amaral: "E se o euro digital não fosse dinheiro?"
Sei que o título pode parecer uma pergunta estranha, mas já aqui escrevi que o impacto do euro digital está muito para além do dinheiro. Vou agora explicar como e porquê. Imaginemos o seguinte cenário: o Banco Central Europeu irá colocar à disposição da banca comercial o euro digital sem, no entanto, haver um único euro digital em circulação nas mãos do consumidor final. Ou seja, todo o sistema bancário continuará a funcionar exactamente como nós o conhecemos, sem pôr em causa a liquidez dos bancos nem a sua função impulsionadora da economia com a concessão de crédito.
Parece que fica tudo na mesma, mas não fica. Por definição, o euro digital vai fazer parte da massa monetária que suporta a economia sob jurisdição do Banco Central Europeu (BCE). Existem várias massas monetárias em circulação, por exemplo, as moedas que podem ser emitidas e cunhadas por cada um dos Estados. Já as notas são emitidas pelos bancos centrais dos diversos países (sim, a emissão de moedas e notas é diferente). O euro digital será emitido pelo BCE, e a hipótese que aqui se coloca é não deixar que chegue aos consumidores finais.
Então se não está em circulação, qual é a diferença entre este novo euro digital e o actual euro desmaterializado nos computadores dos bancos? Quais as suas vantagens? Não servindo para efectuar pagamentos, o euro digital irá suportar um outro tipo de massa monetária. A banca comercial irá passar a colocar uma parte das suas reservas em formato auto-executável. Eu explico.
As reservas bancárias têm várias funções, e uma das mais importantes é permitir a compensação entre os intervenientes do sistema bancário. Cada país tem as reservas a cargo do seu banco central, e entre países é o BCE que se encarrega de garantir a regulação e a coerência entre todos os intervenientes, a começar pelos bancos centrais. Essas reservas estão ajustadas de forma equilibrada, na velha escrituração de dupla entrada entre todos os bancos (em contabilidade chama-se deve e haver). Então que tipo de diferença fará substituir essa escrita por contratos auto-executáveis numa blockchain? Uma diferença enorme. Uma moeda pode ter várias funções em simultâneo. Como meio de pagamento serve, por exemplo, para comprar o jornal.
Como reserva de valor, podemos guardar os euros na conta bancária para podermos comprar mais tarde um Tesla. Como medida de valor, a moeda serve para sabermos, por exemplo, quanto vale a nossa casa. Para o nosso cenário, interessa-nos apenas esta última, pois, a partir do momento em que a medida de valor esteja sob a alçada da auto-execução, também o resto dos direitos e obrigações dos activos financeiros poderão passar a estar.
Ler artigo completo aqui.
Categorias: Católica-Lisbon School of Business & Economics