Arménio Rego: "Nem tudo o que é inteligente é aceitável"
O passado ajuda a compreender o presente. Durante anos, uma quantidade significativa de anúncios de emprego requeria que as pessoas submetessem a candidatura mediante um texto manuscrito. Subjacente ao requisito estava, frequentemente, uma premissa: a caligrafia retrata a personalidade.
Todavia, numerosos estudos contestam essa expectativa. Outros sugerem que, no mínimo, os grafólogos devem obter informação além da caligrafia. Isso não tem impedido que continuem a alardear-se os méritos dessa "ciência", por vezes apoiada em métodos de inteligência artificial.
O Instituto Britânico de Grafólogos, por exemplo, alega que a "grafologia é a análise da expressão subconsciente do cérebro através da caligrafia". O website da organização argumenta que a ferramenta é útil para a avaliação de candidatos a emprego, a identificação de perfis de personalidade, a avaliação de compatibilidades interpessoais, a orientação de carreira e mesmo a deteção de fraude.
Além dos problemas de validade, estas ferramentas suscitam questões éticas. Podem rotular indevidamente as pessoas. Em grande medida, foi também a fragilidade ética que conduziu ao abandono generalizado do polígrafo na seleção de pessoas.
A ferramenta assenta no pressuposto de que a pessoa, quando mente, experiencia alterações fisiológicas (e.g., batimento cardíaco; humidade da pele) que, embora não sejam detetáveis a "olho nu", são identificadas pela "máquina da verdade". Mas eu, que sou um mitómano sem remédio, fico impávido e sereno quando minto. O meu maior amigo, honesto a toda a prova, transpira por todo o lado quando responde com verdade a perguntas sobre temas sensíveis.
Sem ironias: o polígrafo até pode ter um grau de validade interessante, mas também pode rotular de mentiroso um candidato honesto e recomendar a seleção de um mentiroso sem remorsos. Estes falsos positivos e falsos negativos são matéria de indubitável delicadeza ética. Exponho estes casos porque, embora tendamos a pensar que as práticas de gestão modernas são mais racionais, "inteligentes" e recomendáveis do que as de outrora, há razões para ser otimista cético.
Pululam, hoje, tecnologias digitais que, alegadamente, automatizam processos de recrutamento e seleção mediante sofisticadas análises de mensagens escritas ou orais, verbais e não-verbais, dos candidatos a emprego. Há empresas no mercado que alegam que a nossa personalidade é determinada pelo nosso ADN, e que este ADN está refletido na nossa face.
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