Jorge Pereira da Silva: "Passaporte sanitário: só nos faltava mais esta!"

Quando todos julgávamos que já tínhamos tido a nossa conta de ideias más - como a "stayaway covid" ou manter os idosos confinados sine die -, eis que surge esta do passaporte sanitário. Num dia dizia-se que era urgente discutir o assunto e no dia seguinte a decisão parece estar tomada. Segundo se ouve de Bruxelas, falta decidir o nome a dar à coisa - "certificado de vacinação" parece mais suave -, bem como a informação que deve conter.

Só o registo de que a pessoa foi vacinada ou outros dados sobre o seu estado de saúde? Tal como falta determinar para que serve ao certo. Só para viajar ou também para aceder a outras vantagens? Só viagens entre países da UE, de e para a UE, ou igualmente dentro de cada país? E podemos utilizar o dito passaporte para aceder a edifícios públicos, eventos desportivos e culturais, hotéis, ginásios e restaurantes? Não são propriamente minudências, mas a proposta legislativa vai sair em março e deve ser implementada até ao verão. O grande desígnio estratégico é, portanto, o turismo.

É importante dizer que este passaporte sanitário não é igual ao nosso velho boletim de vacinas - e à necessidade de ter as vacinas em dia para certos fins -, dado que as "picas" carimbadas nesse caderninho de papel amarelo e azul são de acesso universal. Infelizmente, não é o que sucede ainda - e continuará a não a suceder por muitos e bons meses - com as vacinas contra a Covid-19. Se houvesse para todos, não havia fura-filas. Faz toda a diferença.

Por isso, o dito passaporte discrimina os cidadãos em função da sua condição de saúde. Divide os cidadãos em duas categorias - criando dois estatutos jurídicos diferentes -, com base num critério que (não sendo arbitrário, se a ordem da vacinação o não for) é alheio à vontade e à conduta das pessoas. Pior do que isso, penaliza duplamente aqueles que ainda não tiveram acesso à vacina: além do risco de saúde que correm, por exemplo para irem trabalhar todos os dias - sim, nem todos podem estar em teletrabalho! -, ficam ainda privados de um direito básico, como a liberdade de circulação (assim reservada aos "maiores e vacinados").

Tem-se dito que o objetivo é também incentivar as pessoas a vacinar-se. Acontece que as pessoas não precisam assim tanto de ser incentivadas. Precisam é de paciência para esperar. E se, no final do processo, ficarem alguns negacionistas de fora, o problema vai ser para eles. A imunidade de grupo não precisará da sua boa vontade e as doses que lhes estariam destinadas podem, com proveito, ser reencaminhadas para países ondem fazem falta. Aliás, ou bem que a vacina é obrigatória ou bem que não é.

De resto, a vacina contra a Covid-19 protege as pessoas contra a doença (ou as formas mais severas da doença), mas não as impede de apanhar o vírus e até, porventura, de o transmitir.

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