Margarida Neves em Tânger

"Sou a Margarida, tenho 20 anos e estudo psicologia na Faculdade de Ciências Humanas, da Universidade Católica Portuguesa. Durante 3 semanas fui voluntária no Hogar Padre Lerchundi, em Tangêr, um lar/escola com crianças marroquinas."


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"Em Marrocos existem muitas crianças e nem todas podem ou conseguem ir à escola. Estas crianças em específico estão em risco de exclusão social por diferentes motivos: alguns filhos de mães solteiras, outras filhos de pais com comportamentos aditivos ou que vivem na rua. Por isso, passam muito tempo sozinhas e na rua, que as impede de serem crianças e que as obriga a crescer muito depressa e de forma errada.

Em Marrocos, ser mãe solteira é muito pouco aceite e por isso tanto as mães como as crianças acabam por ser excluídas da sociedade. Este é um país onde a mulher tem poucos direitos e por isso nenhuma destas situações é facilitada.

Nesta escola podem passar muito do seu tempo e estudar, para que possam contrariar a vida que já lhes está um pouco “predestinada”.

Para além deste projeto, pudemos conhecer muitos projetos em Tânger e também em Ceuta que se focam na ajuda social de pessoas em risco.

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Em Ceuta tivemos a oportunidade de visitar duas associações que têm como objetivo ajudar imigrantes africanos que entram em Ceuta de forma “ilegal”.

Conhecemos jovens, de idades tão próximas das nossas, que nadaram de Marrocos até Ceuta, durante horas para chegar a esta cidade espanhola. Conhecemos jovens que saltaram muros de 5, 8, 10 metros para poderem entrar. Jovens que têm a necessidade de vir para estudar, para trabalhar e para terem uma vida melhor e por isso, apesar de estudarem e terem cursos iguais aos nossos, não têm as mesmas oportunidades que nós porque não há trabalho. Por isso, sentem a necessidade de entrar de forma ilegal na Europa, de forma a poderem ter uma vida melhor.

Vimos os ganchos que usam para subir os muros e explicaram-nos a forma como o sobem: com pouco. Não levam coisas, apenas a pouca roupa que têm no corpo e vão descalços. Têm 2 minutos desde que os sensores dão sinal de que está a alguém a tentar subir até chegarem os polícias para os impedir e enviar de volta para o seu país (que é proibido). Quando num país que não o meu, é explicitamente ilegal enviarem-me de volta para o meu país. Mesmo assim, fazem-no na mesma.

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Perguntámos também: “E as mãos? Não se cortam no arame?” A resposta: “Corta claro. Muito até. Mas tens de aguentar para tentar chegar ao outro lado vivo”.

Os rapazes que conhecemos vivem em associações em Ceuta e até obterem os papéis de residência, não podem ir para outras cidades da península.

Durante a semana, os nossos dias começavam com pequeno almoço, sentadas no chão do pátio da escola, enquanto as crianças comiam no refeitório. Éramos recebidas todas as manhãs com muito amor, carinho e sorrisos.

A nossa relação com as crianças era muito especial! Falavam apenas árabe e por isso comunicávamos muito por gestos ou misturas linguísticas que nem nós entendíamos muito bem. No entanto, entendíamo-nos perfeitamente e o carinho que tínhamos uns pelos outros facilmente se notava.

Dependendo do dia podíamos ter saídas ou só atividades na escola, mas era fácil de notar o esforço e dedicação das professoras para dar às crianças o dia mais fantástico possível. Ao fim do dia tínhamos visitas a outros projetos ou então algum tempo livre para passear pela cidade ou descansar.

Este projeto foi sem dúvida a experiência mais marcante que já vivi! Foi muito intensa e também cansativa. Muitas vezes fez-me sentir impotente e pequena. Quando nos deparamos com realidades tão diferentes da nossa, é difícil não pensar no porquê das coisas. É mais difícil ainda aceitar que também há coisas que não têm motivos, que são acasos e sorte.

Ao mesmo tempo e apesar de tudo isso, foi uma experiência muito gratificante. Sinto que deixei a minha marca em Tânger, mas, acima de tudo, Tânger deixou uma marca em mim."