A Universidade como matéria de futuro
Discurso do dia da UCP 2017
Senhor Cardeal Patriarca e Magno Chanceler da Universidade
Antigos Presidentes da República, Senhor Presidente Dr. Jorge Sampaio
Senhor Presidente Dr. Aníbal Cavaco Silva e Dra. Maria Cavaco Siva
Senhora Dra. Assunção Cristas
Senhor Núncio Apostólico e senhores Embaixadores,
Senhores Reitores e Vice-Reitores
Senhores Representantes das Ordens profissionais
Senhores Comandantes das Escolas Militares
Senhores Antigos Reitores da UCP
Senhores Vice-Reitores da UCP
Membros do Conselho Superior
Senhora Presidente da Sociedade Científica da UCP
Senhores Presidentes dos Centros Regionais
Senhores Diretores
Digníssimas Autoridades Académicas, Religiosas, Civis e Militares
Ilustres Convidados
Senhores Professores
Senhores Presidentes das Associações de alumni
Caros estudantes
Caros funcionários
Minhas senhoras e Meus senhores
Celebrar 50 anos de história não significa fazer 'o inventário dos achados' do passado, como referenciava W. Benjamin ('Escavar e Recordar'), mas sim, construir um sentido novo, olhar o presente como momento privilegiado de gizar o futuro. Durante muitos séculos, pensar e olhar o futuro foi uma prática idealista e essencialmente otimista. Projetava-se 'o melhor dos mundos', mas ao longo do século XX, a revolução tecnológica demonstrou também que ao seu enorme potencial de progresso se associava uma ainda maior capacidade de destruição. Vivemos tempos de 'factos alternativos' em que, por um lado, se questiona a validade da ciência, ou a robustez dos dados para entender a realidade, mas onde por outro, se vê o avançar de um paradigma instrumental que põe a ciência ao serviço de interesses de ordem política e económica. A ciência e a investigação como atividades estruturantes do futuro, como modelos transformadores, passam assim a dar lugar nalgumas ecologias a uma certa retrotopia (Z. Bauman) (uma utopia retrospetiva), que idealiza o passado e divulga um modelo de felicidade que não está orientado para um futuro-a-criar, mas para um demagógico passado-a-recuperar.
Nas celebrações de 50 anos, pensa-se a instituição como arquivo. Mas o arquivo nunca é um espaço estático, imóvel, parado no tempo. É certamente um espaço de armazenamento, de projetos - com sucesso ou sem ele - mas o arquivo também é o local da transformação, da produção incessante de conhecimento. Como recordou Jacques Derrida: "O arquivista produz mais arquivo, e é por isso que o arquivo nunca está completo nem pode encerrar. Abre-se, por definição, ao futuro." (Derrida, Archive Fever, 1994)
Ora, pensar o futuro é intrínseco à própria ideia de universidade, sobretudo entendida num sentido originário de instituição criada para capacitar as comunidades, habilitar científica e profissionalmente as sociedades, contribuir para melhorar já não apenas 'a condição humana', como afirmava Francis Bacon no século XVII, mas possibilitar o desenvolvimento sustentado de um planeta em risco eminente. Trata-se na verdade de agir no sentido de um novo cosmopolitismo, exigente na forma como suplanta os limites da nação, e se desenvolve em torno de um sentido de vulnerabilidade comum. Na sua recente Constituição Apostólica 'Veritatis Gaudium' (A alegria da Verdade), sobre as universidades e faculdades eclesiásticas, o Papa Francisco interpela as instituições a efetuarem uma 'corajosa revolução cultural', uma mudança radical de paradigma orientada para o 'diálogo sem reservas' e para a ação concreta no sentido de "fazer experiência comunitária, a alegria da Verdade". Repete aliás uma orientação, que é um programa para as universidades de matriz católica, assente no aprofundar do diálogo com as comunidades, entre domínios científicos, com os diversos agentes da ecologia universitária, mas sobretudo estruturado a partir de um certo cosmopolitismo radical, já problematizado na encíclica Laudato si', e que nos insta a "conceber o planeta como pátria e a humanidade como povo que habita uma casa comum". É a tomada de consciência desta interdependência que nos "obriga a pensar num único mundo, num projeto comum", no respeito pela diversidade.
Hoje, não quero fazer a crónica das glórias passadas, mas funcionar como o arquivista que faz mais arquivo e afirmar o comprometimento com o futuro, pensando numa lógica de ciência solidáriaa, e de universidade como projeto de intervenção social global. A Universidade começou há 50 anos como projeto e para ter futuro, continuará a ser justamente projeto. Utilizando a terminologia das start-ups tecnológicas, trata-se de corporizar o espírito de liderança tranformacional do unicórnio associado a um trabalho de concretização e sedimentação. Somos projeto e risco e assumimo-lo, num processo de transformação que é parte intrínseca do que significa ser universidade. Aliás, a transformação nunca é uma meta, é um percurso. E é esse percurso de transformação que nos comprometemos a encetar há um ano, continuando o trabalho seminal das 5 décadas anteriores.
Há cerca de um ano, a Reitoria apresentou à Universidade 4 iniciativas estratégicas centradas no desenvolvimento das três missões da universidade: ensino, investigação, relação com a comunidade e o mundo laboral. São elas a iniciativa Católica Talentos; a iniciativa Católica I&I, a iniciativa Católica 4.0; e a iniciativa Campus Cultura.
A iniciativa Católica Talentos desenvolveu-se em torno de quatro eixos: o reforço da promoção e recrutamento de docentes; o aumento do número de alunos baseado no mérito; o reforço de cátedras para atração de talento de elevado valor científico e o reforço da inclusividade, através do apoio social e de mérito a estudantes. A iniciativa cumpre-se. O número de concursos de recrutamento para Professores Auxiliares aumentou 100% em 2017, 66% o número de concursos para Associados e 150% o número de concursos para Professores Catedráticos. Neste âmbito urge ainda salientar o lançamento de duas novas cátedras com recurso a doação (Endowed Chairs) que permitiram o recrutamento de investigadores de alto valor no mercado internacional, a saber a Cátedra de Empreendedorismo Social, da CLSBE, ocupada pelo Prof. Filipe Santos, com reconhecida liderança internacional nesta área, e a cátedra de Finanças Fundação Amélia de Melo, ocupada pelo Prof. Nuno Fernandes, Diretor da CLSBE. No que ao número de alunos diz respeito, observa-se uma perspetiva positiva de crescimento, com um aumento do número de estudantes em cursos conferentes de grau de 4,7% relativo a 2016/17, com especial menção para o aumento sustentado de 21,9% no curso de Medicina Dentária. É ainda de salientar o crescimento de 7% no número de estudantes internacionais a frequentar integralmente ciclos completos de estudo na UCP, perfazendo agora 1200 alunos, oriundos de 5 continentes e 90 países, sendo os de maior incidência: Alemanha, Brasil e Itália. A iniciativa Católica Talentos abrange igualmente os projetos de apoio social e bolsas de mérito. A UCP não recebe qualquer transferência de Estado para apoio social aos seus estudantes. Todavia, no ano de 2017, deu um apoio de 499m Euros, oriundos das suas receitas próprias - não tem outras - em Bolsas de mérito e bolsas sociais. A este momtante acerscem 276.299,00Euros de bolsas patrocinadas por mecenas individuais, alumni, e fundações, entre as quais a Fundação Rockefeller e a Fundação Amélia de Melo. O valor total de apoios concedidos é de 775 299mEuros.
Necessitamos contudo de ir mais além. É esse o intuito da Iniciativa Católica Talentos e foi esse também o compromisso apresentado ao Santo Padre, na audiência que concedeu à Universidade em Roma, a 26 de outubro último. A Universidade Católica compromete-se a trabalhar para dar um futuro a quem nunca teve oportunidades. O Fundo Papa Francisco destina-se justamente a apoiar financeiramente estudantes em situações de fragilidade social e financeira, refugiados e migrantes. Fizemos ontem, na Gala de beneficiência que celebrou os 50 anos da Universidade o primeiro grande evento de angariação de fundos, com o contributo de muitos alumni, docentes e convidados. Agradeço igualmente o contributo institucional de várias empresas, a saber: EY, Vieira de Almeida e Associados, Grupo Pestana, Deloitte, Delta, REN e Sonae. Respondendo ao apelo do Papa, assumimos a nossa responsabilidade de agir no concreto, contribuindo para uma sociedade solidamente formada, mais respeitadora das diferenças, de cultura, religião, sexo e etnia, e laborando, através da educação, para o reconhecimento do direito a uma formação qualificada, integral e integradora dos saberes.
No campo da Iniciativa Investigação e Inovação (Católica I&I), há a salientar que 13,75% dos rendimentos da UCP são aplicados em investigação, e ainda um aumento de 12% na captação de financiamento competitivo de I&D, em 2017, dos quais 40% são oriundos de financiamento internacional, sobretudo H2020. Destacam-se neste campo dois projetos H2020, o Projeto 4C's, no valor total de 3,5M de Euros e coordenado pelo CECC (Centro de Estudos de Comunicação e Cultura) e, do mesmo centeo o projeto COMPACT, com o valor de 1,7M Euros. Em 2018, terá u forte impacto no investimento de I&D da universidade o novo projeto de interesse estratégico nacional, o Projeto Alchemy, (em parceria com a empresa Amyris) com um impacto de 24M na investigação na Escola Superior de Biotecnologia, no Porto. Estão ainda a ser desenvolvidas duas novas parcerias estratégicas internacionais, em investigação, (com Canadá) na área das Ciências da Saúde com um impacto previsível de mais 28M Euros. Finalmente, gostaria de destacar a participação de 4 centros de investigação da UCP no 1.º Laboratório Colaborativo aprovado pela FCT, o DTx, Digital Transformation, coordenado pela Universidade do Minho, estando sob estudo a participação no COLAB Wines and Vines.
A iniciativa de transformação digital Católica 4.0 iniciou-se em 2017, articulada com o planeamento estratégico de desenvolvimento infraestrutural. Está em curso, a transformação das infraestruturas de IT - começando pelo campus da Foz e alargando-se nesta fase a Lisboa, Braga e Viseu - permitindo a atualização das soluções tecnológicas de software, a integração nacional dos sistemas de autenticação, e bem assim o desenvolvimento de plataformas tecnológicas para avaliação de desempenho docente e de colaboradores. O processo Católica 4.0 articula-se com a reestruturação da identidade digital da instituição.
Do mesmo modo, o alargamento da atividade de ensino e investigação que a Universidade está a viver, e a crescente internacionalização do corpo discente e docente (nalguns cursos chegando a 53%) exige a panificação e o investimento no alargamento e requalificação do património edificado. Assim, iniciou-se já no Porto a construção do novo edifício da ESB, com um investimento previsto de 12,7M. Em Lisboa, está em desenvolvimento o projeto do campus I(novação), para alojamento da atividade da CLSBE na zona Norte do campus da Palma de Cima, prevendo-se ainda a requalificação das infraestruturas da zona Sul.
Ao celebrar 50 anos, a UCP encara uma nova fase de desenvolvimento, orientada para a inovação, a renovação infraestrutural e a expansão responsável do escopo internacional. Mas ao celebrar 50 anos queremos também honrar com o título de Doutor honoris causa, aqueles que por labor ou motivação, contribuíram para o que somos hoje. Nos termos dos Estatutos da Universidade Católica Portuguesa, o grau de Doutor honoris causa é aprovado pelo Conselho Superior da Universidade e conferido "a personalidades que hajam contribuído de modo eminente para o progresso das ciências ou o esplendor das letras e das artes, às que hajam bem merecido da Igreja do país ou da humanidade e às que hajam prestado relevantes serviços à universidade". A UCP vai este ano atribuir cinco títulos de Doutor honoris causa. Hoje temos o privilégio de conferir doutoramentos honorários a duas personalidades marcantes da sociedade portuguesa e indelevelmente associados ao crescimento da UCP. Jurista insigne e pensador marcante no combate pela liberdade de ensino, o Prof. Mário Fernando de Campos Pinto tem acompanhado com a sua ação as 5 décadas de evolução da Universidade. Foi docente, diretor, em duas épocas distintas, da Faculdade de Ciências Humanas, acompanhou os grandes projetos de renovação do ensino na Católica - a criação do curso de Administração e Gestão de Empresas, o curso de Direito, o Centro Regional do Porto, o Instituto de Estudos Políticos. Mário Pinto é um dos construtores da Católica.
Pela primeira vez na sua história - e já tardava - a UCP vai atribuir um grau de Doutor honoris causa a uma mulher, a Dra. Manuela Ferreira Leite. Economista notável, desempenhou vários cargos de responsabilidade polítca no governo da nação, entre quais o de Ministra da Educação, e Ministra de Estado e das Finanças. Foi a primeira mulher a dirigir um partido político em Portugal, mas além dos notáveis contributos para Portugal, tem sido uma voz determinante no Conselho Superior da Universidade Católica e no Conselho Estratégico da Católica Lisbon School of Business and Economics. Tem dado um contributo rigoroso, atento, dedicado ao projeto de desenvolvimento da UCP, em momentos difíceis, de contração e nos momentos de expansão. Também ela é parte integrante do projeto da Católica.
A Universidade Católica Portuguesa nasceu como ideia e promessa e realizou-se ao longo de 50 anos em ações concretas de formação qualificada de profissionais, na renovação nos modelos de ensino e na introdução de formações académicas inovadoras, com forte impacto em Portugal e além-fronteiras. Servimos concretamente o país, orientados por valores que não se reduzem ao critério da utilidade, mas que se alargam à universalidade última de um conhecimento ao serviço do bem comum. A procura da 'verdade no concreto', com que o Papa nos interpelou em outubro no seu discurso à universidade, em Roma, manifesta-se ainda e sobretudo na catolicidade de uma educação chamada a construir uma 'cidadania ecol´gica' (Francisco, Enc. Laudato si', 163), isto é, que reconheça e respeite a casa comum ambiental, contribuindo para um desenvolvimento sustentável em termos económicos, políticos e societais.
Ao celebrar o nosso quinquagésimo aniversário, afirmamos o nosso comprometimento presente e futuro com uma ideia de universidade católica, socialmente inclusiva, eticamente responsável, líder de conhecimento, mas sempre atenta às fragilidades do mundo, comprometida afinal com a inscrição expressa no nosso emblema: Veritati. Apesar das dissonâncias do mundo é na concretude das práticas que realizamos a nossa missão, respondendo às perguntas que informam a vida real dos povos e comunidades, "cujas batalhas, sonhos e preocupações possuem um valor hermenêutico que não podemos ignorar" (Francisco, Discurso à UCP).
Isabel Capeloa Gil
Reitora
03-02-2017