#6 Alerta Vermelho - Ataque de Pânico em curso
Alerta Vermelho – Ataque de Pânico em curso
Como tantas outras doenças, a COVID-19, tem sintomas que se sobrepôem com os de muitas outras condições médicas. Mas, dada a sua potencial gravidade e impacto no destino de cada um e da sua família, é perfeitamente compreensível que uma pessoa, aos primeiros sinais suspeitos, não fique meramente com aquela desagradável sensação de que vem aí uma gripe ou uma constipação, dias de cama e de trabalho atrasado, uma chatice…. - mas antes em estado de alarme, preparando-se para uma batalha bem mais difícil. A intensidade deste alarme pode ser de nível “Alerta vermelho”, lançando a pessoa numa manifestação – também ela muito abundante em sinais confusos – conhecida como “Ataque de Pânico”. É importante reconhecer o quanto antes esta situação e regulá-la eficaz e rapidamente. Para agravar o cenário do nosso Alerta vermelho, o ataque de pânico, tem sintomas que se parecem justapôr, à primeira vista, com os sinais da doença que agora tanto tememos – como a falta de ar.
Os ataques de pânico ocorrem com mais frequência do que se imagina. Qualquer pessoa pode tê-los, se num dado momento avaliar a sua capacidade de resposta a um stressorcomo insuficiente para fazer face ao desafio que o mesmo representa. Esta avaliação não é consciente, mas parece estar sempre ímplicita, o que se depreende do facto dos ataques de pânico terem prevalência em fases de grande transição na vida da pessoa ou em momentos em que enfrenta desafios novos e imensos. Não admira que esteja particularmente assinalada em pessoas jovens, perante o mudar de cidade, o ir viver sozinho, estar à beira do 1.º emprego, do casamento, da parentalidade, enfim, tudo empreendimentos, como sabemos, de proporções cósmicas.
Mas não só nestas situações e em jovens ocorre o ataque de pânico. Ninguém está imune, apesar de existirem preditores genéticos, ambientais e psicológicos identificados. E só para que fique mesmo claro, e destituído de qualquer resíduo de estigma, também acontece aos Psicólogos, aos Psiquiatras, aos estudantes de Psicologia – os Psis, portanto, não estão imunes, mesmo sabendo deste fenómeno. Ninguém está. Mas também é importante sublinhar que o presente artigo é orientado para a situação de ataque de pânico isolado, raro ou circunscrito num período curto de tempo – porque ataques de pânico recorrentes ao fim de muitos meses ou anos configuram uma perturbação de ansiedade que requere uma abordagem clínica sistemática. Nesses casos, as recomendações que se seguem são úteis à mesma, mas quem lê beneficiará muito de um programa de sessões de terapia cognitivo-comportamental, e os conselhos não substituem a consulta e acompanhamento profissional em psicoterapia. Se esta é uma ocorrência frequente marque, por favor, uma consulta o mais depressa possível.
A situação mais circunscrita que motiva o meu artigo de hoje é a ocorrência pontual de um ataque de pânico - que pode ocorrer com maior probabilidade num cenário assustador como o … de uma pandemia. Apesar do medo, como todas as emoções, ser adaptativo, porque nos coloca num modo adequado para enfrentarmos situações que ameaçam a nossa integridade física e mental, o ataque de pânico não o é. Em primeiro lugar, não é adaptativo porque é paralisante; e em segundo lugar, porque gera ainda mais medo, chegando mesmo ao terror em muitos casos.
Mas podemos fazer algo para lhes pôr fim – e o primeiro passo é perceber o que está a acontecer. Porque apesar dele ser gerado por ansiedade extrema, ocorre tão bruscamente que aquilo de que a pessoa se dá conta é dos sintomas físicos. Tipicamente, experimenta-se um aumento brusco da frequência cardíaca (coração muito acelerado), arritmias (palpitações), tonturas, sensação de falta de ar, tremuras e dor no peito. Podem também sentir-se arrepios ou sensação de calor, sensação de que se vai sufocar, engasgamento, formigueiro. Não necessáriamente tudo isto – variam as combinações. Ora, este evento súbito gera medo consciente – medo de “ o que me está a acontecer?”, “será que é assim que começa um enfarte?”, “e se não vem ninguém acudir-me?”, “ e será que vou morrer?”.
Esta “análise” da situação não é a que se pretende – pois dá início a uma escalada perigosa para mais e mais medo, rumo ao terror. A análise útil é mesmo outra: é uma interpretação mais objetiva, por etapas – aqui vai:
1. Se é uma pessoa saudável, sem qualquer sinal prévio de doença cardíaca, pense que o coração muito acelerado é próprio e normal em muitas situações da vida, desde correr a subir as escadas, a preparar-se para enfrentar perigos e desafios – e que, graças à sua capacidade de regulação, a frequência cardíaca voltará ao normal –porque esta é uma das respostas fisiológicas mais controláveis que conhecemos, como nos têm mostrado décadas de técnicas de biofeedback e de terapia cognitivo-comportamental bem sucedidas. As pessoas aprendem a controlar a frequência cardíaca, tal como a controlar a respiração. E também assumem o comando consciente dos seus pensamentos e ações. É um exercício que se aperfeiçoa com o treino.
2. Se, como a maior parte das pessoas, teme a infeção pelo novo coronavírus SARS-CoV-2, e está em isolamento para se proteger, há uma probabilidade séria de, sendo saudável e com os sintomas descritos em 1, estar a ter um ataque de pânico.
3. Se estes sintomas surgirem na sequência duma pequena tosse, ou dor de garganta, ou dor de cabeça, pense nisto: a frequência cardíaca acelerada, falta de ar e menos ainda a dor no peito e as palpitações não são sintomas que surjam logo de imediato com a doença por Covid-19, ou seja logo a seguir à primeira tosse, quando surjem de todo. Os sintomas cardíacos ocorrem em pessoas em estado muito mais agravado da doença por Covid-19, quando o vírus “ataca” o tecido cardíaco, e sobretudo em pessoas com doença cardíaca ou vascular prévia. Mas o medo extremo de estar contagiado, esse sim, produz estes sintomas, e a tal tosse pode ter sido o detonador da sua reação neste momento.
4. Reconheça então como uma forte possibilidade que o ataque de pânico lhe pode estar a acontecer. Se vive sozinho(a), é uma boa ideia ligar a um bom amigo(a) e contar-lhe o que está a sentir e a sua suspeita do ataque de pânico. Faça-lhe uma descrição detalhada do que se está a passar. Quando terminar, é quase certo que já estará com menor frequência cardíaca, a respiração mais normalizada e menos tonturas. Se for o caso, era mesmo um ataque de pânico! Digo “era”, porque este fenómeno tem por norma duração curta, e quando se pede ajuda às vezes já está a passar. Falar com alguém é muito útil nesta fase e ajuda a atenuar os sintomas.
5. Respire fundo e devagar, está a passar…. E agora já sabe, por experiência própria, como dura pouco tempo o ataque de pânico. Já sabe também que é capaz de regular a respiração, de orientar os pensamentos, de pedir ajuda, de controlar o medo.
6. Pense que está liberto deste ataque. Orgulhe-se da sua capacidade de o ultrapassar. E não pense mais nele; não entretenha a ideia de que poderá haver uma próxima vez, que susto! Isso seria mais um interruptor para um ataque de pânico. Tê-lo ou não depende de si. E lembre-se de que nada é mais assustador do que o própro medo. Coragem nesta fase de tanta preocupação!
So, first of all, let me assert my firm belief that the only thing we have to fear is...fear itself— nameless, unreasoning, unjustified terror which paralyzes needed efforts to convert retreat into advance. Franklin Roosevelt, Discurso inaugural, 4 de Março de 1933
Augusta Gaspar,
Coordenadora da Área Científica de Psicologia da FCH- UCP
Membro do Conselho de Direção do Católica Res. Centre for Psychological, Family & Social Wellbeing