#5 Em isolamento: tempo de ver com olhos de ver

Estando toda a gente em isolamento, uma das perguntas habituais em muitas casas deve agora ser: O que é que vamos ver hoje? E a decisão não é fácil entre tantos ecrãs à escolha: no telemóvel, na internet, na Netflix ou na televisão. No quarto, na sala ou num cantinho do sofá. E a pergunta é importante: porque o que vemos é o que vivemos - com esta falta que nos faz o mundo lá fora. Por isso, convêm realmente perguntar:  O que é que vamos ver hoje? 

Talvez possa ser útil ter em consideração as quatro propostas que a seguir se apresentam. A primeira é óbvia e necessariamente o ecrã. Como somos felizes em ter tanta oferta e tanta escolha. Nem nos falta informação nem entretenimento. Por isso, podemos gerir bem o que nos faz bem. Certamente, não é saudável ver os últimos números e os dramas da crise n-vezes ao dia. É preciso desligar. Parece que filmes antigos e séries já vistas são um bom remédio. Na medida em que não nos surpreendem, confortam-nos. Rever o que já conhecemos permite-nos sentir menos perdidos, mais seguros. Ou a peça que sempre queríamos conhecer melhor, o documentário que nos recorda a riqueza da história ou da natureza. Mergulhar no ecrã pode ter um efeito purificante e agora é a altura de usufruir deste escapismo. Talvez seja mais o tempo da memória e dos clássicos do que do thriller. Mas seja qual for o gosto: desde que façam bem e que deixem dormir, os ecrãs são bem-vindos e os nossos fiéis companheiros nestes tempos sem os amigos de pele e osso.

Mas há muito mais para ver do que nos ecrãs. Seja qual for a vista, todas as janelas abrem para o mundo. Já viu o azul do céu hoje com as pequenas nuvens? A árvore de borracha cresceu tanto que quase entra em casa da vizinha de frente. E ao lado, o quintal abandonado: com um limoeiro a teimar. O cão, que ladrava do outro lado, deve ter morrido ou foi com o dono para a sua terra. (Será permitido nesta quadra?) Não se ouve. Mas ouvem-se as ambulâncias de sempre e de vez em quando uma panela colocada no fogão com um pouco mais de força. Ou será violência? Algumas vozes como se viessem do off. E depois, à tarde, vai-se ter de mudar para o outro lado da casa - o sol sempre dá a volta e nós com ele. A chuva deixa marcas na janela que hei-de tirar um dia destes. Mas se tiver muito calor, abro a janela e nem vejo mais as marcas.

A janela dá muito para ver. E quem tiver a sorte de não estar só em casa, ainda tem muito mais. Sentar-se, juntos, com a proximidade que a casa permite: e ver o outro. Sentir a presença. Olhar. Ver realmente visto. Misturar passados e futuros, o que partilhamos e o que nos separa. Saber ver o outro em nós. Nós no outro. Talvez até possamos ficar calados. Nem queremos imaginar que não víamos o nosso vis-à-vis. Uma aventura não é. Não são tempos de aventura. Não queremos deixar um do outro. E amanhã digo-te uma palavra amável. Para compensar.

O auge neste exercício de ver é quando fechamos os olhos. Quando entramos no espaço donde vêm as recordações e as lágrimas. E sabe-se lá, as visões. Estar presente. Quando vimos o que ninguém vê. Está à nossa frente. Cheio de coragem. Retido ainda para dar o passo depois. 

A verdadeira liberdade está além do consumo de mais e mais notícias, informações, números ou imagens. To watch, to see, to look at. The vision, the view, the sight. Tantas palavras entre ver e olhar. A verdadeira liberdade encontra-se onde acontece o que nos toca. E onde respondemos vivamente. Veremos.

 

Peter Hanenberg, Diretor do Centro de Estudos de Comunicação e Cultura (CECC) e coordenador do grupo de investigação “Cognition and Translatability”

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