Vânia Sousa Lima - "Afinal havia o Outro"
O vírus virou-nos. Do avesso, primeiro. Para dentro, crê-se. Para fora, sabe-se.
Como tempestade que se antecipa, distante, e se deseja não chegue. E antes que fosse dito, era claro que chegaria. Dela ouvia-se falar do seu devastador e nefasto poder.
A palavra cria realidade e as que mais se ouviam eram infecção, doença, morte, crise, quarentena, confinamento, isolamento. E números, muitos (dúbios) números. Faz-se real o risco de ser infectado, real o de perder o emprego, real o de não pagar salários, real o de cancelar projectos, real o de não fruir do desejado, do assumido como garantido, real o de adoecer, real o de morrer. Real o risco de não ser capaz de (se) suplantar.
O entranhar-se do medo revira as entranhas, tolda a razão, turva a emoção, entorpece a acção. O medo do vírus virou-nos, do avesso, primeiro. Para dentro, crê-se. Na procura da garantia da satisfação das mais primárias necessidades de sobrevivência e segurança, as de Maslow. Para dentro de supermercados, farmácias, hospitais, centros de saúde, (mãos) dentro de luvas, dentro de casas. Antes que nos fosse dito. Para dentro de nós e do nosso medo. Crê-se.
O risco é universal como o medo. Ambos nos fazem pessoas. Como, ante eles, a resiliência e a estoicidade. Sabe-se.
A construção relacional do significado evidencia o carácter falacioso do desenvolvimento individual. A história de Mim exige o Outro. Este Outro, história nossa, a quem se quer bem e com quem não se está (por tanto se querer bem não se está). Com quem se quer festejar o aniversário e não se visita. A quem se quer dar um abraço e se vê da janela. Com quem se partilharia uma Páscoa que se reinventa.
Ler artigo completo aqui.
Categorias: Faculdade de Educação e Psicologia